quinta-feira, 10 de março de 2011

A Letargia Democrática

O vento soprou suave sobre a cidade de Luanda apesar do tom bélico que comprimia o céu e ameaçava tempestade. Assim poderia começar a crónica sobre uma manifestação anunciada.
O anúncio varreu toda a internet, um pouco a imagem do que aconteceu no hemisfério norte do continente. A voracidade do fenómeno precipitou um histórico do MPLA a vir a público para deixar um aviso a navegação: O poder não vai cair nas ruas.
Estas declarações pressupuseram o primeiro erro trágico do MPLA na gestão desta situação, pois elas tiveram o dom de dar notoriedade pública a manifestação e amplificar todo o fenómeno. Os meios de comunicação nacionais e estrangeiros registaram com especial interesse o teor das declarações e fizeram o respectivo eco. Além do conteúdo ser impróprio, passou um atestado de menoridade ao Governo, ao Estado e a Nova Constituição.
No MPLA ainda se fez luz, convocou-se uma contra-manifestação de apoio ao Governo na pessoa do Presidente José Eduardo dos Santos. A contra-manifestação poderia ter tido efeitos virtuosos para o Governo, se tivesse sido devidamente, organizada e capitalizada. Mas não foi isso que aconteceu.
No dia da Manifestação, apresentaram-se 17 cidadãos na Praça 1º de Maio em Luanda, um número insignificante, principalmente, se tivermos em conta as expectativas que se geraram em torno do evento. Foi precisamente neste momento que se cometeu o segundo erro trágico, as autoridades policiais detiveram os 17 manifestantes e impediram a manifestação. O que foi noticia, não foi o facto da manifestação ter somente mobilizado 17 manifestantes, mas sim o facto, de 17 manifestantes terem sido detidos e impedidos de exercer um direito fundamental que esta consagrado na Constituição Angolana. O mais caricato uma Constituição recentemente aprovada e a imagem do MPLA.
Os manifestantes, os promotores da manifestação, em vez de saírem desacreditados e desmoralizados, saíram reforçados. Conscientes ou não do seu novo poder. Verificamos que bastam 17 cidadãos anónimos e mal organizados para provocar um ataque de pânico no MPLA e no Governo. A tendência natural, será para convocar novas manifestações porque é uma forma efectiva de colocar o MPLA e o Governo em zonas de desconforto. Esta nova situação pode ser bastante problemática, não só para o Governo/MPLA que não sabe reagir de forma adequada a este tipo de situações, mas também para os outros partidos políticos que vêem como movimentos espontâneos da população têm maior impacto e mais poder reivindicativo do que os próprios partidos da oposição, ou seja, estas manifestações são um atestado de incompetência aos partidos políticos da oposição, que sendo estruturas organizadas não são capazes de promover acções com mesmo impacto que 17 manifestantes anónimos concentrados numa praça de Luanda.
A tendência lógica será para os partidos da oposição associarem-se a estas manifestações ou então organizarem as suas próprias manifestações, e capitalizar a falta de senso comum do Governo/MPLA para gerir estas situações. Se a oposição política não se associar a estes movimentos espontâneos e de cariz pacifista, os próprios partidos ficam em causa, porque a população começará a questionar-se sobre a utilidade destes partidos, porque um partido que não esta no poder, e ainda por cima não faz oposição, é um partido que não faz sentido. Muitos projectos políticos poderão ser inviabilizados, se passarem a ser substituídos por estes movimentos espontâneos da população. Como disse, um dos manifestantes detidos, acaba de se abrir uma caixa de Pandora em Angola.