quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Haiti: Case Study

O mundo ainda vive na ressaca do terramoto que assolou o Haiti, as imagens são de devastação, desolação e destruição. É um número brutal de vítimas e feridos sem qualquer tipo de perspectivas para o futuro, a não ser uma existência no limiar da sobrevivência. Está situação deveria ser inspiradora de reflexão porque nenhuma região do mundo esta á salvo dos caprichos da natureza.
A tragédia no Haiti alcançou proporções dantescas não pelo terramoto em si, mas sim pela má construção dos edifícios existentes e pela inexistência de planeamento urbanístico. A má construção foi responsável pelo desabamento generalizado dos edifícios que não suportaram as replicas do sismo porque provavelmente não foram construídos de acordo com as técnicas de engenharia que permitem suportar ou minorar os abalos sísmicos, em segundo lugar temos que considerar a falta de planeamento urbanístico que permitiu a construção em zonas indevidas ou impróprias para a construção e alem disso permitiu um excesso de aglomeração e concentração de focos.
É uma realidade muito semelhante a que existe em Angola, nomeadamente em Luanda, que se caracteriza por um sem número de edifícios abandonados, em degradação e alguns com graves problemas de edificabilidade, que numa circunstância igual com toda a certeza vão ruir. Aliás, não foi há muito tempo que a sede de um edifício policial em Luanda ruiu espontaneamente, pela força do cansaço e da erosão. Seguramente, muitos musseques também não permanecerão em pé se um dia Luanda sofrer um abalo desta natureza. Estará o País preparado para responder a semelhante ameaça?
Tenho duvidas que as autoridades sanitárias tenham capacidade para responder perante tamanha calamidade, nem o próprio Estado dispõem de meios suficientes, seria um desastre total, suponho que nem deve existir um plano de acção se alguma vez algo semelhante acontecer em Angola, questiono-me quantos edifícios ficariam em pé?
Provavelmente, somente aqueles construídos pelas melhores casas de engenharia, ou seja, pelas melhores construtoras a operar em Angola, quer queiramos ou não, são inevitavelmente portuguesas, pois devem ser as únicas empresas a cumprir todos os preceitos de engenharia civil. Seria importante que todas as empresas que constroem em Angola o fizessem de acordo com as melhores práticas de engenharia, algo que duvido que aconteça em todas as empresas, seja, por falta de know-how ou simplesmente para economizar custos. Além disso, em Angola não existe uma fiscalização adequada, portanto, ninguém sabe em que condições determinadas empresas operam. Não existe planeamento urbanístico, cada um constrói onde quer sem ter em conta as especificidades de cada local, sem ter consciência dos possíveis impactos e riscos ambientais. Portanto, se algum dia ocorrer aqui um desastre desta natureza, será uma verdadeira tragédia e um elemento de selecção natural porque muito provavelmente só os edifícios portugueses ficarão em pé.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Regresso a Normalidade

A CAN acabou para Angola com a sua eliminação perante o Gana, o país voltou a normalidade, regressou a sua realidade, aos engarrafamentos de trânsito, ao mesmo sentimento de insegurança, a mesma luta pela sobrevivência e aos mesmos problemas, e sempre com os mesmos protagonistas.
Enquanto o CAN não termina, talvez, os mais esclarecidos já comecem a questionar-se qual vai ser o uso e o destino destas novas infra-estruturas desportivas? De que forma irão ser rentabilizadas? Quais serão os seus custos de manutenção?
A maioria de nós talvez ainda não reflectiu sobre está questão porque ainda estamos embriagados pela organização do evento, é no meio desta embriaguez que uma nova constituição esta a ser discutida e aprovada. Não existe um total consenso sobre este assunto, existem opiniões bastante divergentes, que defendem que esta nova constituição é um golpe democrático, argumentando que um sufrágio indirecto é sempre um retrocesso em relação ao sufrágio directo.
No entanto, alguns dos países mais desenvolvidos do mundo são monarquias constitucionais, nomeadamente, os países nórdicos da Europa, algo que seria impensável implementar em Angola, creio que num país com tão pouca experiência democrática como Angola, encontrar a melhor forma constitucional para regular a sociedade angolana não será uma tarefa fácil, a minha principal preocupação é que o texto constitucional seja transparente, sem interpretações omissas e que seja perceptível para todos os angolanos. É importante que a constituição seja o texto que garante os direitos e os deveres do Estado e dos seus cidadãos. Penso que a forma constitucional mais adequada será aquela que permitirá fazer da sociedade angolana uma sociedade mais justa, algo, que apenas poderá ser comprovado ou não através da sua aplicação prática.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Perspectivas Económicas para 2010

Os principais analistas apontam para um crescimento da economia mundial de 2,9% em 2010, contra os -2,2% verificados em 2009. O ano de 2010 já é apelidado por muitos economistas como o ano da grande estabilização. No entanto, grande parte da performance de 2010 vai depender da sabedoria com que as principais economias vão retirar os seus programas de estímulo fiscal e monetário, nomeadamente, nos EUA e na UE.
Os principais indicadores de confiança empresarial apresentam valores positivos, o que é um bom indicador para a recuperação que se avizinha, ainda assim temos que considerar algumas especificidades, nos EUA a retoma poderá ser sustentável se ela for acompanhada com a criação de emprego, se assim for podemos afastar um cenário de recessão em W e assumir que esta recessão foi em V e o pior já passou. Do outro lado do Atlântico, na UE, apesar dos sinais de retoma da Alemanha, a situação é mais delicada, nomeadamente, devido ao descontrolo das contas públicas na Grécia e na Irlanda, sendo, Itália, Espanha e Portugal incógnitas. Perante este cenário de rotura financeira cuja correcção exige reformas duras, se ainda considerarmos a pressão das agências de Rating, é possível, assistirmos uma perda de robustez do Euro. Não seria surpreendente assistirmos a uma valorização do Dólar, principalmente, se a FED for a primeira a rever as suas taxas de referência.
Uma ligeira valorização do dólar permitirá estabilizar o preço crude à USD 85 à USD 95 o barril, estes efeitos serão positivos na economia angolana, principalmente, nas contas públicas e na composição da balança de pagamentos, no entanto, uma desvalorização do Euro fará com que as importações sejam mais baratas e por sua vez aumentará a pressão importadora em detrimento da produção nacional.
Não é expectável que Angola verifique incrementos de investimento directo estrangeiro, ainda se verifica um excesso de sobrecapacidade instalada, muitas empresas continuarão a desinvestir para obter liquidez e reduzir o endividamento, não haverá incrementos no consumo porque as principais economias, nomeadamente, aquelas com uma maior propensão marginal do consumo continuam excessivamente endividadas, um endividamento reforçado para alimentar os seus deficits públicos, portanto, se Angola pretender dar continuidade aos seus programas de industrialização e de diversificação económica terá que contar com os empresários nacionais, ou então, o Estado terá que substituir-se aos privados.
A economia angolana será alimentada, basicamente, pelas fontes tradicionais, ou seja, um preço do crude ao seu nível natural, a continuação dos programas de infra-estruturação do país, que envolvem grandes obras públicas e quiçá a recuperação do sector diamantífero. Não prevejo grandes alterações no sector não petrolífero.
É expectável uma recuperação económica em Angola, mas não acredito que a economia possa crescer ao nível dos dois dígitos, acredito que seja mais sensato apontar para um crescimento na linha das outras economias emergentes, na ordem, dos 6% à 8%.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Um Paradoxo Económico

Foi já há alguns anos que li pela primeira vez um livro de George Soros que tem uma interpretação muito própria dos fenómenos económicos. Um economista de descendência húngara propulsor dos Hedge Funds e que fez sucesso nos mercados financeiros quando quebrou a libra esterlina.
Soros explicava no seu livro o movimento dos capitais, que têm tendência para deslocar-se do centro para as periferias em busca de maiores rentabilidades, considerando-se o centro como os países ricos enquanto as periferias os países emergentes. Esta movimentação explica-se pelo facto das periferias, os países emergentes, serem economias que crescem a taxas mais elevadas e a ritmos mais rápidos, e onde as economias mais desenvolvidas têm maiores vantagens competitivas porque são detentoras de um know-how mais apurado e de uma maior escala. Após atingida a rentabilidade desejada a tendência dos capitais é para abandonar a periferia e regressar ao centro. Este é um dos factores que explica a maior volatilidade dos fluxos de capitais em relação ao investimento directo estrangeiro.
Em Angola começamos a assistir, tal como em outros países emergentes, a um movimento inverso, um movimento de capitais com origem na periferia que se desloca para o centro, muito deste movimento tem como suporte Fundos Soberanos, no caso angolano, é protagonizado por investidores a titulo individual, a questão é saber se este movimento de capitais é saudável para a economia angolana, no sentido de que Angola se caracteriza por uma grave carência de iniciativa de privada. Sem um sector privado com capacidade de efectuar investimento produtivo que gere emprego e desenvolvimento, será mais difícil que exista poupança e logo consumo interno, portanto, mais difícil será promover a tão ambicionada diversificação económica principalmente quando a prioridade é fomentar a aplicação de capitais em outras economias.
É preciso ter atenção para outro detalhe, os países emergentes que estão a promover esta nova tendência no movimento de capitais, caracterizam-se por serem grandes economias fechadas e com grupos económicos consolidados, algo, que em nada coincide com o perfil de Angola, este movimento de capitais poderá ter um efeito hemorrágico na economia angolana, porque muitas destas participações nem permitem assumir uma posição de controlo.

domingo, 10 de janeiro de 2010

CAN we do it?

O atentado contra a comitiva do Togo foi trágico e ameaça ensombrar a organização do evento. A gravidade do acto impõem necessariamente uma reflexão e que se tirem as devidas ilações para o futuro. Ser anfitrião de um evento como a CAN é prestigiante, pois permite uma grande notoriedade internacional mas também é uma responsabilidade porque implicou um grande investimento do Estado.
Para preparar este evento não basta apenas construir novas infra-estruturas desportivas dentro do prazo, também é um teste a capacidade de planeamento e de organização do país, nomeadamente, a nível operacional, logístico e segurança.
Sem querer especular parece-me que houve uma falha na segurança, a selecção do Togo foi a única a deslocar-se de autocarro, isto faz supor que os procedimentos de segurança não foram definidos e no caso de o terem sido não foram cumpridos.
A escolha de Cabinda como uma das sedes da CAN era arriscada, no entanto, fazia todo o sentido, era uma forma de promover a integração e a unidade nacional, era suposto que a CAN fosse uma festa de Angola e de todo o povo angolano, não fazia sentido ostracizar a província de Cabinda neste evento. No entanto, tendo em conta o carácter instável da província os parâmetros da segurança deviam ter sido muito mais rigorosos, Angola aceitou assumir um risco sem estar devidamente preparada a nível organizativo, tanto foi assim que ocorreu o atentado.
O atentado é totalmente condenável e inaceitável, foi um acto bárbaro, próprio de terroristas, alias a associação imediata de ideias foi relacionar este acto com o atentado terrorista islâmico de Munique, num momento em que os próprios EUA voltam a estar na mira de novos atentados islamistas, talvez, seja este o momento adequado para terminar de vez com este problema. A solução nunca será fácil porque Cabinda é um ponto sensível, uma reserva estratégica para as maiores potências mundiais não creio que o Governo tenha total autonomia para tomar decisões e agir porque Cabinda envolve demasiados interesses externos (petrolíferas) que não têm interesse em promover um conflito que destabilize a região. Creio que o mais importante será não estigmatizar esta província depois do atentado e encontrar uma solução que permita erradicar o problema, mas talvez a lição mais importante será aprender com os erros, a organização não pode ser fruto do acaso tem que obedecer sempre a um rigoroso planeamento.

sábado, 9 de janeiro de 2010

A Recordação de um Fracasso

A organização da CAN 2010 supôs uma grande aposta de Angola, era e é um compromisso de alto nível, pois trata-se de um evento com repercussões internacionais e que implicou um grande investimento do Estado. Um investimento em novas infra-estruturas, com a construção de novos equipamentos desportivos, um forte investimento na divulgação internacional, com o objectivo de criar uma nova imagem e uma marca chamada Angola, um país reconciliado e com um futuro promissor, e por fim, um investimento colectivo de todos os angolanos para fazer realidade um sonho chamado CAN 2010.
Angola respirou nos últimos anos uma brisa inspiradora caracterizada por um crescimento económico vigoroso (com a excepção de 2009), umas eleições exemplares, a visita do Papa e para culminar com chave de ouro a organização da CAN. O evento ficou inevitavelmente manchado com este atentado, se antes deste episódio já era questionável a rentabilidade deste investimento, hoje, além de se questionar este mau investimento, temos de questionar a má imagem que Angola inevitavelmente deixa ao mundo. É impressionante como um grupo de fanáticos pode por em causa o esforço de todo um país com um acto de verdadeira barbárie, o efeito de alavancagem da CAN na economia angolana ficou totalmente amputado. O país ficou inevitavelmente associado a uma má imagem, de insegurança (um ninho de terroristas), as imagens correram todo o mundo, permitindo uma publicidade quase demencial a um movimento separatista. Algo que deveria ter contribuído para aumentar a auto-estima do povo angolano, ser uma afirmação de Angola enquanto país, provavelmente, será recordado com alguma amargura, como o retrato de mais um fracasso.
Cabinda: Doença Crónica

Lamentavelmente Angola acaba de ser palco de um acto horrendo protagonizado por mercenários sem escrúpulos da mais reles condição humana. Não é a primeira vez que um grande evento internacional é objecto de um atentado terrorista, não quero discutir se este atentado era previsível e podia ser evitado, mais importante do que discutir uma falha na segurança, é censurar este ignóbil comportamento que podia ter terminado numa verdadeira chacina, não existe causa politica que justifique a violência e muito menos o assassinato de seres humanos.
Quando o País faz esforços para regressar a normalidade, que passam pela sua reconstrução e pelo reposicionamento do País na Comunidade Internacional, acontece este episódio absolutamente deplorável que põem em causa a imagem de Angola e o seu esforço de integração nacional, que a escolha de Cabinda suponha ser.
Existe um problema em Cabinda, que após este atentado, o Estado tem a obrigação de erradicar, não é possível esconder a cabeça debaixo da areia, este acto merece uma reacção à altura. Enquanto o Estado pensa no que vai fazer para reparar o irreparável, gostava de deixar os meus pêsames as famílias enlutadas.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Recapitulando as Perspectivas Económicas de 2009

No início de 2009 tive a oportunidade de escrever um artigo numa revista da especialidade onde tentava perspectivar a evolução económica para esse ano que acabava de iniciar. O ponto de partida era uma estimativa do FMI que apontava para um crescimento da economia mundial de 0,5% e do comércio mundial -2,8%, o objectivo final, era estabelecer uma ponte para a economia angolana.
Os pilares dessa ponte tinham como fundamento os principais factores de risco que a economia angolana se encontrava exposta, entre eles, a evolução do preço do barril de crude, uma cotação média de USD 50 representaria sempre uma grande perda de receitas nas contas públicas, um outro factor, seria a dificuldade e a contracção dos mercados financeiros internacionais, traduzidos pela falta de financiamento e de liquidez, e por fim, o risco cambial associado a quem usa Dólar como meio de pagamento internacional perante um cenário de valorização do Euro.
A consequência imediata seria o aumento do custo da divida soberana e a escassez de meios financeiros, a dificuldade em prosseguir com a infra-estruturação e a reestruturação do país devido à redução do gasto público, acentuada com a redução do investimento privado, uma consequência do facto das principais economias consumirem menos e muitas empresas desinvestirem para obter liquidez.
O cenário não era muito animador, a desaceleração económica era inevitável, mas nunca pensei que fosse tão acentuada em Angola, sempre pensei que o país seguiria a mesma rota das principais economias emergentes, um crescimento do PIB de 5% à 6%, um crescimento de 1% do PIB angolano à verificar-se resulta decepcionante.
Associamos sempre a palavra crise a noção de ameaça, mas muitas vezes as ameaças devem ser encaradas como novas oportunidades, esta crise devia ter sido encarada como uma oportunidade para aprofundar sectores e diversificar a economia. Para terminar este post deixo o fac-simile do artigo em questão.

sábado, 2 de janeiro de 2010

O Estranho Negócio do Banif

O ano que acabou não deixará grande saudade à maioria das pessoas mas com toda a certeza ficará na memória de todos nós, principalmente, se considerarmos os episódios que tiveram origem em 2009 e que irão ter repercussões em 2010, nestes episódios incluo a queixa crime apresentada pelo Estado angolano na Procuradoria Geral da República portuguesa, devido a uma alegada burla na aquisição de acções do Banif.
Confesso que não tenho uma opinião formada sobre este episódio porque ainda não são conhecidos muitos contornos sobre o caso, no entanto, não entendo como um Estado Soberano pode mandatar um individuo para à aquisição de uma posição relevante numa Instituição Bancária, uma operação que envolve milhões, com base em apenas num acordo verbal, sem um contrato escrito, sem nenhuma espécie de garantia e pelos vistos sem nenhum controlo. A ser verdade esta situação, creio que Angola provavelmente fez o maior elogio de sempre à Santa Ingenuidade, somente, falta mandar construir o Altar e acender as velas.
O estranho negócio do Banif promete ser bastante interessante porque permitirá aferir o verdadeiro peso politico de Angola sobre Portugal, tendo o caso ganho contornos mediáticos, com o próprio Estado angolano a constituir-se à parte queixosa e de acusação, sabendo que à justiça portuguesa se caracteriza pela morosidade e pela ineficiência, será interessante assistir o desenrolar e o desfecho deste caso, que promete não ser nada pacifico, primeiro; porque de um lado está Angola onde Portugal tem vastos interesses, segundo; do outro lado, está uma Instituição Financeira com um peso relevante em Portugal, em terceiro, do outro lado está a justiça que supostamente é um poder independente e por fim temos um teste à verdadeira força diplomática angolana, no sentido, de não permitir o arquivamento ou a prescrição deste caso.
Há um dado a reter, com a constituição do próprio Estado angolano como parte queixosa e de acusação, o Estado angolano está a ir à jogo com o seu próprio prestigio, principalmente, se este caso não tiver consequências e acabar sem dignidade, ainda podemos reter outro dado, se o empenhamento do Estado angolano neste caso for real, independentemente do resultado final, existirão sempre danos colaterais.